Pesadas nuvens escuras agora estão a se formar no céu, lentamente transformando o dia em noite. O vento aumenta de intensidade e faz as folhas das árvores dançarem com seu sopro forte. Há um nítido presságio de tempestade no ar. Isto, de certa forma, me alegra e conforta. Adoro este tipo de clima. Amo a chuva. Sou apaixonado pelo petricor. Parece que o nome que os estudiosos da mente humana dão à esta idiossincrasia climática é pluviofilia. Sou um pluviófilo crônico e convicto.
Estou sentado em meu quarto. Em breve, chegará o crepúsculo. A escuridão do anoitecer paulatinamente recobre os móveis e os livros. Sinto-me como se estivesse imerso num ambiente de dark academia. Gosto imensamente disso. É exatamente o tipo de ambiente em que nasci para estar. É onde realmente me sinto em paz.
Esta é a atmosfera perfeita para ler “História Narrada ao Crepúsculo”, de Stefan Zweig, “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emily Brontë, “Drácula”, de Bram Stoker, ou mesmo os contos de Hoffmann ou de Poe, acompanhado por uma generosa xícara de café ou chá, junto de minha estatueta de Atlas.
Acabo de voltar do trabalho. Não foi um dia especialmente cansativo, em termos de volume de demandas – nos sábados, normalmente, o número de suportes operacionais é bastante reduzido, em comparação com o fluxo dos dias úteis. Além do mais, hoje, surpreendentemente, foi um dia assaz interessante, do ponto de vista intelectual; somente os analistas de atendimento estavam presentes na sala da Qualidade, todos os monitores estavam de folga, e, num determinado momento, começou a se desenrolar ali, não sei a que propósito, uma espécie de debate sobre religiões e gêneros sexuais, o que deu azo, malgrado sua absoluta inocuidade, a inúmeras piadas simplesmente divertidíssimas — naturalmente, todas de duplo sentido, e politicamente incorretas — e algumas reflexões, até que bastante pertinentes, sobre políticas identitárias, que ajudou a fazer o tempo passar mais rápido. Mas minha bateria social ficou, como de praxe, completamente esgotada.
Os seres humanos, via de regra, me exaurem. São raros os momentos em que realmente gosto de socializar. Na esmagadora maioria das vezes, sinto um desgaste imenso ao interagir socialmente. Nessas ocasiões, mal posso esperar para estar em casa, longe do barulho e do tumulto do mundo.
Porém, há dias em que, nem mesmo em casa, tenho verdadeiramente sossego. Por exemplo, neste momento, ouço os gritos de minha mãe e de minha irmã e a algazarra das crianças, incluindo meu filho, do lado de fora da porta do meu quarto. Os moradores desta casa simplesmente não conhecem o conceito de silêncio. Nem o de privacidade.
Normalmente, isto me exasperaria profundamente, e poderia até me levar ao extremo de ter um ataque de fúria. Hoje, no entanto, sinto-me singularmente sereno e em paz comigo mesmo e, inacreditavelmente, com os demais homens que habitam este pálido e turbulento ponto azul.
Com toda a certeza, por influência do clima.
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