domingo, 13 de abril de 2025

O Silêncio na Catedral

Hoje, ao dobrar a manhã como se fosse uma esquina perdida no tempo, no intervalo do trabalho, soube da morte de Mario Vargas Llosa. Não sei bem o que me atingiu primeiro: se o silêncio que ficou em mim depois da notícia ou a sensação íntima de ter perdido uma espécie de ancestral, não de sangue, naturalmente, mas de espírito. Llosa não era só um escritor; era toda uma geografia literária, um território de palavras fundadas com a mesma solenidade com que se fundam cidades. A sua prosa, que sempre invejei e admirei ao mesmo tempo, sempre limpa, vigorosa, disciplinada como um exército antigo, guardava, em cada frase, o peso de uma herança e a pulsação de uma luta.
Senti sua morte como se se apagasse um daqueles raros faróis em alto mar que ainda sabem o nome das ondas. A literatura, não apenas latino-americana, mas universal, se tornou mais órfã hoje, e eu também. Porque, em silêncio, ainda que nunca o tenha conhecido pessoalmente, reconhecia-o nas caudalosas páginas de seus livros, como se reconhecesse a mim mesmo. Havia nele algo que me lembrava do que eu gostaria de ser: alguém que escreve como quem constrói um templo – com rigor, com paixão, com fé. Llosa, mesmo em seus erros e vaidades, era fiel à ideia de que a literatura importa. Que é possível resistir à vulgaridade do mundo com frases bem colocadas e uma indignação elegante.
Agora que ele se foi, sinto como se houvesse uma pausa no tempo. Uma pausa densa, quase metafísica. É claro que se trata de pura ilusão minha. O mundo segue, como sempre seguiu, indiferente às perdas verdadeiras. Mas dentro de mim, um velho leitor dobra os joelhos. Em silêncio, acende uma vela. E relê, como quem beija pela última vez, as páginas de "A Guerra do Fim do Mundo" e de "Conversa na Catedral", meus livros preferidos de sua autoria, como uma última e singela homenagem de um admirador anônimo. 
Certos autores, quando morrem, não partem sozinhos. Levam, consigo um pedaço de seus leitores. Um pedaço que jamais se reescreverá.

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