terça-feira, 15 de abril de 2025

A Morte da Arte

A palavra arte foi tão banalizada e vulgarizada em nossos dias, que o próprio sentido do fazer artístico se perdeu e desgastou completamente, e o puro e simples mau gosto foi alçado ao status de critério definidor de obras-primas. Culpa, entre outros, de pseudoartistas como Marcel Duchamp e seu célebre mictório, e Andy Warhol e seus não menos célebres e indigestos rótulos de enlatados. Ambos, em sua ânsia pueril por escandalizar a burguesia — esse espantalho predileto das vanguardas —, deram o tiro certeiro na nuca da tradição artística ocidental, sem sequer oferecer-lhe um epitáfio digno. Como diria Harold Bloom, “a substituição do gênio pelo ressentido é a verdadeira tragédia da cultura moderna”.
Ora, numa era em que tudo é arte, nada é arte. Hoje, qualquer um que pinte um ponto preto numa tela branca, pelo simples fato de expô-lo num museu ou numa galeria, já é automaticamente considerado um “artista”, e exige ser assim chamado, mesmo sem jamais ter chegado sequer aos pés de um Michelângelo ou de um Rafael, ou, mais modernamente, de um Matisse ou de um Picasso. O cânone foi desmantelado — e com ele, para citar novamente Bloom, “a própria noção de valor literário e estético foi jogada ao lixo em nome de uma pluralidade niveladora e insossa”.
Convenhamos, é fácil — ridiculamente fácil — expor um mictório assinado num museu, reproduzir fotos coloridas de Marilyn Monroe em latas de molho de tomate em escala industrial, ou ainda, pendurar uma banana com fita numa parede e considerar tais mistificações estupidificantes como verdadeiras obras-primas da arte contemporânea. Já não pode ser dito o mesmo sobre pintar uma Guernica ou o Juízo Final na abóbada de uma Capela Sistina. O virtuosismo técnico foi substituído pela esperteza conceitual; a elevação espiritual, pelo cinismo mercadológico.
Não nego que haja exceções. Existem artistas contemporâneos que, apesar do ruído ambiente, ainda produzem obras com densidade simbólica, rigor formal e algum vestígio de transcendência. 
Penso, por exemplo, na matéria espessa e histórica de Anselm Kiefer, nas visões oníricas e apocalípticas de Zdzisław Beksiński, na ousadia anacrônica de Odd Nerdrum — verdadeiro herege do tempo presente — ou mesmo no virtuosismo pictórico, ora sublime, ora vacilante, de Gerhard Richter. 
Há ainda aqueles, como Julio Larraz ou Leonardo Pereznieto, que insistem na beleza como forma de resistência, cada qual à sua maneira, contra o império do grotesco e do banal. Mas são raros, raríssimos, e suas vozes se perdem no burburinho histérico de uma multidão de charlatães legitimados por curadores e críticos que, como bem diagnosticou Roger Scruton, “já não buscam o belo, mas o subversivo, o chocante, o politicamente engajado”, mesmo que isso signifique o fim da arte enquanto tal.
A verdadeira arte é superior ao puro e simples entretenimento ou a considerações meramente mercadológicas. Só é arte o que eleva o homem para dentro e além de si mesmo, de sua reles condição animal e imediata. O que não é capaz de sugerir silêncio interior, assombro, verticalidade, não é arte, é ruído, propaganda ou decoração. A arte contemporânea, na sua maior parte, bestializa o homem, apela aos seus instintos mais básicos e primitivos, embrutece-o, desumaniza-o. É apenas — e tão somente — barbarismo e filistinismo, travestidos de vanguarda e originalidade.
Nada que cause espanto, para falar com a devida franqueza. Afinal, o barbarismo e o filistinismo são as regras de ouro do mundo moderno, um mundo que já não exige de seus artistas talento, nem profundidade, nem verdade interior, mas apenas a capacidade de causar comoções superficiais e vender-se bem em leilões regados a champanhe e ignorância. Bem alertou Theodor Adorno, “a indústria cultural transforma a arte em mercadoria e o espírito em estatística”. E o que é o mundo moderno, afinal de contas? Nada muito diferente das fezes enlatadas de Piero Manzoni, oráculo abjeto de uma civilização que confunde provocação com pensamento, excrementos com estética, e ruínas com revolução.

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